VocĂȘ precisa de Redes Sociais para “Ser Artista”? Um breve texto sobre a escolha de postar no Instagram, TikTok, Facebook e etc.

VocĂȘ precisa de Redes Sociais para “Ser Artista”? Um breve texto sobre a escolha de postar no  Instagram, TikTok, Facebook e etc.

Por Vannie Gama.

Todas as vezes em que falo que nĂŁo tenho mais redes sociais ou, que nĂŁo as alimento, a primeira coisa que me perguntam Ă© ”como eu faço” para ”ser artista” sem ”postar”. Minha resposta Ă©, geralmente, a mesma: Ă© um privilĂ©gio, mas tambĂ©m uma escolha, pois sinceramente, ter redes sociais jamais mudou positivamente absolutamente nada na minha carreira. Na verdade, eu conheço muitos artistas ”de Instagram” que nĂŁo fazem exposiçÔes fĂ­sicas, nĂŁo vendem suas obras para coleçÔes ou colecionadores, leilĂ”es ou galerias, tĂŁo pouco fazem colaboraçÔes com outros artistas em espaços pĂșblicos, fora, talvez, em festivais que sĂŁo ”bastante instagramĂĄveis” ou que sĂŁo festivais com propostas propriamente digitais (estes sim, absolutamente legĂ­timos e contemporĂąneos).

A melhor parte Ă© que eu nĂŁo faço essa escolha por ser um ”outsider”, mas porque 95% das pessoas artistas que admiro, que participam de bienais, publicam, sĂŁo ou ativistas ou pessoas pesquisadoras, nenhuma delas tem grandes nĂșmeros em redes sociais, ou se quer as alimenta. E como este Ă© um tĂłpico recorrente, ”online-offline”, decidi fazer esse texto que, diferentemente de publicaçÔes acadĂȘmicas laboriosas, Ă© assumidamente mais intimista, e Ă© para vocĂȘ, artista emergente ou artista em consolidação que estĂĄ discutindo este ponto entre pares, ou entre pessoas queridas, afinal, Ă© realmente uma agonia a constante reflexĂŁo: vale a pena ou nĂŁo ”estar aqui”?.

Este texto tem sua versĂŁo original em portuguĂȘs brasileiro e, provavelmente vou levar algum tempo para fazer as traduçÔes em outros idiomas. A razĂŁo de manter este texto em portuguĂȘs Ă© epistemolĂłgica: por mais que eu tenha sempre tido exposiçÔes internacionais, eu fui na maior parte do tempo um artista brasileiro no Brasil, com problemas de Brasil, seja no mundo da arte ou fora dele, e a maioria das pessoas que me perguntam isso do dilema das redes para artistas sĂŁo brasileiras, o que faz muito sentido pragmĂĄtico, a considerar que o Brasil Ă© um dos paĂ­ses mais cronicamente onlines do mundo – Um dos maiores usuĂĄrios de Instagram, TikTok e Youtube, perdendo apenas para outros paĂ­ses das AmĂ©ricas e da Ásia – Inclusive, Facebook Ă© menos popular no Brasil, mas ainda muito popular em paĂ­ses anglofĂŽnicos. Entretanto, eu jĂĄ recebi essa pergunta de outras pessoas fora do Brasil, mas sempre, nas AmĂ©ricas.

Convido entĂŁo vocĂȘ, pessoa leitora, a primeiro, desconstruir alguns imaginĂĄrios que nos sĂŁo impostos, ao mesmo tempo que iremos complexificar a sua escolha baseada no seu contexto e na sua mĂ­dia. Este texto Ă© moldado para se pensar qualidade, e nĂŁo quantidade, autenticidade, e nĂŁo modelização ou pasteurização, entĂŁo, nĂŁo sĂŁo estratĂ©gias de mercado, e sim um convite para de fato refletir sobre por quĂȘs e comos – mas muito mais ”por quĂȘs” do que um savoir-faire. Primeiro, para estabelecermos alguma conexĂŁo, duas consideraçÔes: se vocĂȘ estĂĄ lendo esse artigo porque estava procurando pelo tĂłpico e nĂŁo me conhece, fique a vontade para acessar o labirinto que Ă© esse website, ali na introdução, e, caso vocĂȘ esteja lendo esse texto jĂĄ acompanhando meu trabalho, Ă© provĂĄvel que note a diferença temĂĄtica, jĂĄ que esse website Ă© dedicado para ”coisas mais formais” do que textos ”tĂŁo abrangentes”. Para esse segundo tipo de pessoa leitora, eu te digo: discutir esses tĂłpicos Ă© um momento comunitĂĄrio, e necessĂĄrio, seja para quem cria, seja para quem ”consome”. Para o primeiro tipo de pessoa leitora: seja bem-vinda/o/e.

Em um parĂĄgrafo, caso o tipo um nĂŁo queira ter o trabalho de acessar a pĂĄgina inicial, caberĂĄ uma apresentação. Meu nome Ă© Vannie Gama, sou um artista visual interdisciplinar, pesquisador e escritor nascido no Brasil, residente atualmente no CanadĂĄ. TambĂ©m sou uma pessoa nĂŁo-binĂĄria, filho de pais que nĂŁo sĂŁo artistas (embora meu pai tenha um lado escritor e chegou a receber alguns prĂȘmios com seus contos quando ele tinha mais ou menos a minha idade, ou seja, hĂĄ 20 anos) e consequentemente que nĂŁo tiveram contatos (QI = Quem Indicou) para me ”colocar” no mundo da arte. Sou o primeiro da famĂ­lia a fazer um mestrado, e meus pais (minha madrasta e meu pai) sempre me apoiaram daquele jeito de pais preocupados com o futuro de alguĂ©m que quer fazer arte ou mesmo pesquisa em humanidades no Brasil, ou seja, sempre tentando instrumentalizar par algo ”Ăștil e seguro” minhas ”habilidades” manuais. Eles nĂŁo me deram um carro quando passei na faculdade, nem me proporcionaram com rios de dinheiro para morar despreocupadamente, e na verdade, eles mesmos estĂŁo agora terminando de comprar seu primeiro apartamento, jĂĄ que sempre moraram de aluguel. SaĂ­ de casa aos 18 anos para ir estudar, e eles me ajudavam como podiam. Morei vĂĄrios anos em uma pensĂŁo na Ă©poca da faculdade (nĂŁo numa repĂșblica), e aos poucos fui construindo minha vida. No momento da escrita deste texto, eu jĂĄ expus em 9 paĂ­ses, participei de uma bienal, residĂȘncias artĂ­sticas, colaboraçÔes em festivais, publiquei trĂȘs livros, tenho compradores e colecionadores privados, passei anos em leilĂ”es, tenho artigos publicados, e me encontro sempre com um amor e Ăłdio pela minha mĂ­dia de origem que Ă© a pintura a Ăłleo, e nunca encontro lugares grandes o bastante para fazer instalaçÔes e projetos multimĂ­dia. Estou com 28 anos e meio, e continuo morando de aluguel, nĂŁo tendo um carro, mas, tendo feito quase literalmente tudo que quis fazer artisticamente. Cresci me mudando, porĂ©m, fora a infĂąncia que passei em vĂĄrios estados do Sul do Brasil (porĂ©m, nascido em SĂŁo Paulo), passei a maior parte da minha vida adulta no interior Paulista (levem isso em consideração).

Dito isso, sou uma pessoa que estuda histĂłria da arte, ao mesmo tempo que valorizo muito as minhas e as experiĂȘncias alheias, contemporĂąneas. Sobrevivente dos tempos ĂĄridos culturais durante a covid-19, permaneço um artista profissional, entĂŁo, hĂĄ uns 8 anos ininterruptos. É sob essa Ăłtica que falaremos sobre redes sociais e vida artĂ­stica. Bom, dito isso, vamos quebrar alguns estereĂłtipos. Primeira pergunta: O que vocĂȘ quer com a sua arte?
Essa pergunta Ă© muito importante e nĂŁo deve ser levada nem com moralismo, nem com a inconsequĂȘncia de uma resposta leviana. Caso vocĂȘ nĂŁo tenha ideia de por ”onde começar” a responder essa pergunta, sugiro que assista a este vĂ­deo aqui, da Marina Abramovic, uma das gĂȘnias da arte contemporĂąnea.

Caso vocĂȘ tenha assistido ao visto e ainda ”sinta que Ă© de fato” uma pessoa artista, podemos continuar para ”O que vocĂȘ quer com a sua arte?”.
Temos algumas categorias quantitativas na ala ”fama e dinheiro”: 15 minutos de fama, fama por repetição (que pode ser de uns poucos anos hĂĄ 20 anos, como o Romero Brito e geralmente quer dizer um esvaziamento poĂ©tico), dinheiro de mercado (sem fama), fama parcial por motivo de herança, algum reconhecimento pĂłs-morte ou na idade madura. Agora, categorias qualitativas em ”sobrevivĂȘncia e desenvolvimento artĂ­stico”: viver com pouco mas autenticamente e completamente de arte, viver bem sustentando dois empregos (sua vida artĂ­stica e alguma profissĂŁo secundĂĄria) pela vida inteira, viver bem sustentando dois empregos (sua vida artĂ­stica e alguma profissĂŁo secundĂĄria) atĂ© a idade madura ou com alguma consolidação artĂ­stica em vida, viver bem com uma profissĂŁo sĂłlida e investir por um perĂ­odo estratĂ©gico na independĂȘncia artĂ­stica (tirar alguns anos para ”tentar” a vida artĂ­stica dentro de moldes de mercado), ou viver bem com uma profissĂŁo sĂłlida e intercalar perĂ­odos de investigação artĂ­stica (passar anos em uma profissĂŁo, guardar um dinheiro para ”viver de arte sem os moldes do mercado” e caso for necessĂĄrio, voltar para a vida de uma segunda profissĂŁo, sem grandes desgastes).
Esses sĂŁo os cenĂĄrios comuns de uma pessoa que precisa trabalhar. Se vocĂȘ Ă© um artista herdeiro, Ă© provĂĄvel que simplesmente faça dinheiro ”suficiente” tanto por herdar bens da famĂ­lia (um imĂłvel, por exemplo, que jĂĄ Ă© metade de preocupação a menos de uma pessoa ”comum”), ou tanto por ser uma capilaridade muito mais fĂĄcil no mercado – embora nepobabies artĂ­sticos sejam os primeiros a dizer ”que ainda Ă© difĂ­cil mesmo assim”, lembre-se que Ă© pior caso vocĂȘ nĂŁo seja um.

VocĂȘ deve ter reparado que nĂŁo tem uma categoria onde vocĂȘ ”começa jovem, ganhando bem e sendo autĂȘntico”, porque realisticamente, isso seria a categoria mais dourada do mundo da arte: sorte. Sorte Ă© uma palavra muito poderosa e engraçada, porque o ser humano tem uma sĂ­ndrome de controle e meritocracia tĂŁo transmissĂ­vel, que Ă© quase inerente negar a importĂąncia ou mesmo legitimar o acaso nos ”grandes sucessos”. Essa romantização de que ”basta esforço” poderia ser facilmente um diĂĄlogo polĂ­tico, mas deixarei isso de lado, jĂĄ que caso vocĂȘ queira me ver discutindo sobre capitalismo e as problemĂĄticas da desigualdade social em detalhes, hĂĄ literalmente livros para isso. Aqui, tentarei ser pragmĂĄtico, e o pragmatismo exige o realismo de reconhecer que a sorte estĂĄ, sim, nas exceçÔes da categoria onde se tem ”tudo”, ”desde cedo”, e com liberdade artĂ­stica. E mesmo os casos que ”parecem sorte”, geralmente, basta uma pesquisa um pouco mais profunda para percebermos que essa sorte tem sobrenome, tem alguĂ©m que conhece alguĂ©m, e, quero deixar bem evidente que o fato de ter contatos nĂŁo significa, de forma alguma, ”ter o bilhete dourado” dessa trĂ­ade artĂ­stica (sucesso, fama, e autenticidade), atĂ© porque de fato se vocĂȘ nĂŁo for uma pessoa artista, ”boa mesmo”, nĂŁo vai adiantar essa base. Ela provavelmente te darĂĄ alguns anos de mercado, somente, pois o mercado tambĂ©m costuma reconhecer que ou vocĂȘ cria algo necessariamente bom (nĂŁo artĂ­stico, mas bom para os modelos mercadolĂłgicos), ou vocĂȘ Ă© uma personalidade que vale a emulação (com boas habilidades polĂ­ticas, de comunicação, com uma presença forte, por exemplo).

Descendo para o mundo real, precisamos trabalhar com nossos egos e desejos profundos. Se vocĂȘ quer ser artista pelo status de quando ”se alcança” dinheiro e fama, vocĂȘ atĂ© tem opçÔes (como da primeira categoria), mas elas serĂŁo flĂĄcidas. Sua criação serĂĄ descartĂĄvel, nĂŁo como tudo que jĂĄ Ă© naturalmente impermanente, mas descartĂĄvel como uma sacola plĂĄstica de supermercados ou uma bituca de cigarro no chĂŁo – uma perda de recursos da natureza. Mesmo para o interesse de acumular bens, uma performance artĂ­stica nĂŁo se sustenta por muito tempo pois a falta de singularidade Ă© transmitida ao pĂșblico. Pode atĂ© demorar uns 10 anos, dependendo da ”trend” ou do ”hype” que vocĂȘ pegou, mas vai acontecer, e sinceramente, eu acho um tanto vergonhoso ter 10 anos de cultura pop para depois justificar sua prĂłpria importĂąncia com ” eu fiz tal coisa .. lembra?” . NĂŁo, ninguĂ©m vai lembrar. E nĂŁo vai porque essa necessidade de justificar jĂĄ Ă© por si sĂł superficial e estĂșpida, e reitera o vazio da prĂĄtica artĂ­stica. A criação artista nĂŁo se justifica, pois ela o Ă©, simplesmente. Dito isso, vou discordar um pouco de Abramovic, pois acho que sim, vocĂȘ pode alcançar fama e dinheiro. O problema Ă© que isso nĂŁo tem nada a ver com ser um artista, tĂŁo pouco uma boa artista. Isso talvez mostre como vocĂȘ Ă© uma boa pessoa para negĂłcios. E negĂłcios por negĂłcios, hĂĄ mais rentĂĄveis e que tambĂ©m usam da imagem de individual para alcançar a fama. Posso dizer que atĂ© aqui, tudo que foi dito Ă© vĂĄlido, com suas adaptaçÔes, para todas as mĂ­dias da qual a persona artista Ă© parte vital da obra: artistas visuais e artistas do audiovisual, performancers e atrizes, musicistas e chefs. Talvez menos aplicado Ă  literatura e ao roteiro, ou Ă  criação de jogos, uma vez que a ”assinatura” Ă© menos ”centralizada na persona”, mas, Ă© algo totalmente debatĂ­vel (como todo o texto).

Pensando nisso, podemos diferenciar nitidamente o ser artista por opção e projeção de prestĂ­gio, e o ser artista enquanto necessidade existencial, enquanto plano de vida incontornĂĄvel, mesmo que adaptado Ă  realidade ”comum” de talvez ter de manter dois empregos por anos, ou interpolar responsabilidades, ou simplesmente nĂŁo viver o conforto que todas as pessoas com ”profissĂ”es normais” Ă  sua volta vĂŁo ter. E aqui, eu realmente nĂŁo quero que vocĂȘ, pessoa leitora, entenda como uma dicotomia moral, onde “”hĂĄ o bem e o mau artĂ­stico. Ser artista nĂŁo Ă© ser santo. Ser artista Ă© conviver com nossos demĂŽnios, inclusive. A questĂŁo aqui Ă© prĂĄtica: o que Ă© genuinamente, honestamente importante para vocĂȘ? Se a resposta for ”ser visto e ser estĂĄvel”, Ă© preciso pensar o que essa ”estabilidade” significa. Se for um nĂ­vel de materialidade de classe-mĂ©dia, vocĂȘ pode muito bem ter dois empregos, inclusive algum emprego que derive das suas habilidades manuais ou intelectuais artisticamente falando, caso isso nĂŁo te drene demais criatividade – pois Ă© difĂ­cil criar ”para vocĂȘ” e para uma empresa ao mesmo tempo, pensando em artistas de jogos e dos efeitos visuais no audiovisual, por exemplo. Historicamente, era bastante comum manter-se dois empregos para manter a prĂĄtica artĂ­stica viva, sobretudo na literatura e na mĂșsica. NĂŁo vivemos mais numa Ă©poca de patronos e patrocinadores como via de regra, como jĂĄ fora em outros sĂ©culos. Temos, sim, instituiçÔes, mas eu as enquadraria no ”viver com pouco mas autenticamente”, uma vez que levarĂĄ pelo menos duas dĂ©cadas (normalmente), para vocĂȘ receber ”com uma frequĂȘncia e volume” suficientes para colocarmos na categoria ”viver bem e autenticamente”, ou seja, apenas na vida madura (pelo menos ali com seus 40 anos, com sorte, no meio dos 30). Notem que tambĂ©m nĂŁo estou falando sobre ser plantado no mercado, e sim, sobre vocĂȘ decidir tomar as rĂ©deas da sua identidade enquanto artista.

Se estabilidade for uma coisa muito importante para vocĂȘ, Ă© muito provĂĄvel que vocĂȘ queira estar na categoria de ”fama e dinheiro” mesmo que nĂŁo para ficar ”muito” famoso ou ”muito”. NĂŁo hĂĄ absolutamente nada de errado em querer estabilidade, mas Ă© imprescindĂ­vel ser realista com o que se abre mĂŁo quando o desejo Ă© moldar-se ao rentĂĄvel: hĂĄ perda da autonomia, sempre. Sempre porque o mercado, seja online independente, ou seja um ”mercado tradicional” da arte, e infelizmente, muitas vezes, atĂ© o formato de anĂĄlise das grandes instituiçÔes ou das aplicaçÔes de leis de incentivo Ă  cultura, procura tendĂȘncias. Essas tendĂȘncias tĂȘm um desenho caracterĂ­stico: elas começam como algo autĂȘntico e sĂŁo saturadas com o passar de um dado perĂ­odo de tempo, jamais sustentĂĄveis por toda a longevidade da pessoa criadora. Trends passam. Uma pesquisadora que fala sobre isso com uma anĂĄlise Ă­mpar Ă© a Anne Cauquelin, em seu livro ”Arte ContemporĂąnea”, dos anos 2000. Se manter ”em alta”, para ter uma estabilidade, Ă© se moldar Ă s tendĂȘncias, mesmo que o primeiro impulso e forma de entrada no mundo da arte (ou do consumo de entretenimento, se preferir ou assim lhe couber), a manutenção serĂĄ adaptativa. Isso tambĂ©m nĂŁo Ă© por si um problema, caso vocĂȘ naturalmente nĂŁo seja uma pessoa que ”tem a energia” da ”independĂȘncia criativa” e se sinta Ă  vontade com rotinas – nĂŁo no sentido material de horĂĄrios, mas no sentido da rotina de metamorfosear-se ao gosto do pĂșblico, e nĂŁo Ă s outras forças que vem de vocĂȘ, das suas prĂłprias errĂąncias.

Caso vocĂȘ, no entanto, saiba, jĂĄ se conheça, ou apenas sinta que necessita fazer algo ”seu”, ou ”verdadeiro”, da qual chamarei ambos aqui de ”exercĂ­cio de autenticidade criativa”, aĂ­ Ă© bastante provĂĄvel que a estabilidade nĂŁo serĂĄ sustentĂĄvel, pois o preço ”interno” a essas adaptaçÔes de mercado , de algoritmos, seja sufocante depois de alguns bons anos. Para isso, temos algumas soluçÔes, como interpolar carreiras (aproveitar uma moção autĂȘntica e, quando saturada, retomar um segundo trabalho e voltar apenas quando sentir novamente que ”faz sentido” ”interno”), ou justamente viver de maneira mais simples, aliado Ă  coletivos, projetos, galerias e instituiçÔes que tambĂ©m cultivam a autenticidade da arte contemporĂąnea, Esses espaços existem, sĂŁo numeros e nos preenchem em termos da sensação de pertencimento Ă  uma comunidade atenta e, provavelmente, muito mutĂĄvel, mas nĂŁo mutĂĄvel pelas tendĂȘncias, mas pelas prĂłprias criaçÔes, intençÔes e moçÔes dos indivĂ­duos que sustentam esses lugares.

Em geral, no entanto, o que ocorre, Ă© que ou essas instituiçÔes e coletivos independentes tambĂ©m ganham pouco justamente por tal resiliĂȘncia frente Ă s pasteurizaçÔes quantitativas midiĂĄticas, ou, podem atĂ© serem grandes instituiçÔes e grandes coletivos, sem qualquer ressalva financeira, mas, que justamente pela natureza da rotatividade artĂ­stica, nĂŁo poderĂŁo ser a sua casa para toda a sua vida: serĂŁo maravilhosas experiĂȘncias de residĂȘncias, de projetos comuns e de contratos que terĂŁo uma duração estimada, e ela nĂŁo preenche toda a sua existĂȘncia material – certamente nĂŁo de forma estĂĄvel. E para isso, a solução tambĂ©m Ă© simples: uma boa administração financeira, uma constĂąncia de criação, uma boa manutenção (franca, e nĂŁo pedinte ou bajuladora) dessas relaçÔes, e um estilo de vida contentado Ă s despesas mornas, e a uma imagem pĂșblica pacata, sem grandes holofotes. Caso vocĂȘ consiga ir por este caminho, pode ser que sim, a sorte lhe atravesse, mas tambĂ©m pode ser que nĂŁo, e se nĂŁo for, nada te impede de interpolar essas eras de ”sutis fortunas” (no sentido de realização artĂ­stica e pleno exercĂ­cio das suas experimentaçÔes, crescimentos poĂ©ticos), com momentos fora do mundo da arte, em uma profissĂŁo mais estĂĄvel. Se fizer isso, eu apenas darei o conselho sĂłbrio de que constĂąncia Ă© sim uma das chaves de qualquer carreira artĂ­stica, e quanto mais tempo passamos longe de uma prĂĄtica, hĂĄ sim uma relação inversamente proporcional para a dificuldade de retornar para ela de forma plena: furos de currĂ­culo artĂ­stico sĂŁo, sim, relevantes, mas nĂŁo sĂŁo incontornĂĄveis, apenas devem ser endereçados.

AtĂ© aqui vocĂȘ jĂĄ deve ter percebido o que te brilha mais ou menos os olhos. Peço novamente, num reforço didĂĄtico e completamente irritante, de que nĂŁo se deixe ludibriar pelos devaneios de uma vida de ser descoberto, como se isso fosse o objetivo, a procura e o lugar onde a sua energia Ă© canalizada quando se estrutura um futuro artĂ­stico enquanto profissĂŁo, nĂŁo enquanto hobbie. É provĂĄvel que eu faça um outro texto sobre constĂąncia na criação artĂ­stica, mas por ora, vamos pensar apenas que um plano de ação Ă© necessĂĄrio, mas mais necessĂĄrio Ă© investigar os seus desejos com essa coisa de ser artista. Observando entĂŁo esse enorme panorama que criamos atĂ© aqui, vamos pensar, aonde se enquadra projetar nossas criaçÔes para o pĂșblico, especialmente, nas redes sociais? Para quais ”categorias” essa decisĂŁo colabora?

Pergunta nĂșmero dois: qual Ă© a sua mĂ­dia? MĂ­dias diferentes requerem estratĂ©gias diferentes. Eu tenho a minha experiĂȘncia, a de outros artistas contemporĂąneos e de algumas histĂłrias, mas com certeza posso falar com mais propriedade da arte visual (incluindo a fotografia, a arte digital e a escultura, nĂŁo enquadro o filme e teatro [tambĂ©m Ă s artes circenses] aqui porque o filme, por exemplo tem toda uma dinĂąmica de publicidade bastante diferente por ser a mĂ­dia ”mais cara” para se trabalhar e envolver, necessariamente, centenas de pessoas na vocalização e apresentação de uma obra final). Para a mĂșsica, Ă© tambĂ©m uma outra dinĂąmica, visto que o mercado da mĂșsica Ă© muito mais amplo, muito mais popular, e muito mais agressivo do que das demais formas artĂ­sticas contemporĂąneas, e os problemas do mercado da mĂșsica sĂŁo mais profundos e estruturais do que os nossos desafios nas visualidades. Posso trazer um mĂșsica, uma ora dessas, para discutir sobre isso aqui nesses textos ou talvez em forma de ĂĄudio, mas por ora, pensemos nas formas de imagem ou coisas que sĂŁo registrĂĄveis de forma visual como um todo.

VocĂȘs jĂĄ devem ter se deparado com alguma criadora de conteĂșdo de deixou o Youtube depois de muitos anos de produção audiovisual. É provĂĄvel que caso isso tenha acontecido os argumentos utilizados tinham a ver com autonomia e estabilidade financeira, pois em algum momento, o balanço e os contratos internos com essa dinĂąmica acabaram sendo insuficientes frente ao funcionamento da mĂĄquina que Ă© a indĂșstria da informação, da qual a indĂșstria do entretenimento Ă© subjacente. Isso costuma acontecer com criadores de conteĂșdo que possuem motivaçÔes ou personalidades artĂ­sticas: sĂŁo performancers, escritores, atores ou atrizes, e que, por tanto, possuem uma tolerĂąncia finita Ă  monotonia, Ă  repetição da fĂłrmula. Geralmente sĂŁo pessoas criativas que vĂŁo tentar modular e experimentar alternativas para enriquecer ou mesmo retomar a liberdade criativa (e existencial) que as levou atĂ© ali (uma dada plataforma, nĂŁo sĂł no Youtube). O ponto Ă© que plataformas sĂŁo produtos de empresas, que funcionam Ă  base de engajamento, tempo de tela, e venda de informação. A prioridade nĂŁo Ă© a qualidade, mas, como bem sabemos, a quantidade e o aprimoramento de conteĂșdos hiperpalatĂĄveis, ainda que ultraprocedados no sentido informacional. Assim, sem diferenças ao mercado de arte que nĂŁo se preocupa com a sensibilização artĂ­stica ou com a arte de fronteira, o mundo da arte independente online nĂŁo necessariamente te causarĂĄ mais do que a necessidade de adequar-se Ă  tendĂȘncias, o que muito dificilmente nĂŁo se refletirĂĄ na sua criação artĂ­stica, conscientemente ou inconscientemente, adaptando-se ao que parece mais palatĂĄvel e chamativo para o pĂșblico.

Esse pĂșblico, por sua vez (muitas vezes, nĂłs mesmos) tambĂ©m nĂŁo estĂĄ num ambiente que promove temporalidade para que a qualidade de apreensĂŁo seja exercitada: com uma imagem depois da outra, a experiĂȘncia digital imagĂ©tica Ă© planificada, Horas sĂŁo gastas de navegação sem muito o que se registrar na memĂłria, o que Ă© inversamente aplicĂĄvel ao tempo de criação artĂ­stica: se leva muito mais tempo para criar, do que para se postar. E isso, evidentemente, Ă© a natureza da criação: se leva mais tempo de criar do que para escutar uma mĂșsica ou, para observar uma criação digital ou uma pintura ”material”. O problema estĂĄ de que nĂŁo nos preocupamos mais com a reprodutibilidade e o salto entre mĂ­dias de uma Ășnica criação, e sim na replicação tĂ­pica de conteĂșdo: a experiĂȘncia de revisitar uma obra, seja ela qual for, Ă© diferente da sua reposição e de uma hiperobsolescĂȘncia a qual essas obras estĂŁo sujeitas. VocĂȘ nunca vai vencer o algoritmo. A velocidade de propagação de ”conteĂșdo”, nĂŁo vĂȘ temporalidade de criação. Se a arte por si sĂł jĂĄ Ă© inerentemente insuficiente para a pessoa artista, imagine quando amplificada Ă  sua receptividade descartĂĄvel. Quantidade de visualizaçÔes e compartilhamentos nĂŁo sĂŁo mais do que o resultado exponencial dessa apreciação imediata, esquecĂ­vel, pobre em nutrientes para quem a criou e quem a consome. Sua banalização Ă© incontornĂĄvel nĂŁo pela sua essĂȘncia, mas pela natureza do veĂ­culo, da plataformas online como ela Ă© hoje. Sem falar na censura avassaladora seja em imagem ou texto artĂ­stico, que nĂŁo vai te permitir nem mesmo tentar transmitir o potencial para a obra para alĂ©m da sua visualidade imediata.

Bom, qual o problema nisso, afinal? AtĂ© porque, ”pelo menos Ă© visto, nĂŁo Ă© mesmo?”
”Quem nĂŁo Ă© visto nĂŁo Ă© lembrado” nĂŁo funciona quando a escala Ă© a partir de seis zeros, pois a questĂŁo Ă© muito mais ”quem Ă© o seu pĂșblico” do que o cassino de cair nos olhos certos.
Se pensamos que nas nossas categorias, hĂĄ a Ăąncora do reconhecer arte como profissĂŁo, e por tanto, enquanto aquilo que vai alimentar vocĂȘ e ajudar a alimentar a sua famĂ­lia, Ă© evidente que pensar no pĂșblico tem a ver com pensar em quem irĂĄ de fato adquirir a seu trabalho ou sua performance. Muito geralmente as maneiras de acessar Ă  parte econĂŽmica da cultura Ă© feita por aplicaçÔes de projetos ou portfolios, por chamadas especĂ­ficas que vĂŁo te colocar em contato com projetos rentĂĄveis. HĂĄ, sim, pessoas que ”caçam artistas” atravĂ©s dos grandes nĂșmeros que sĂŁo feitos, mas Ă© mais provĂĄvel que uma publicidade chegue atĂ© vocĂȘ, ou seja, que te veja como criador de conteĂșdo, do que uma galeria, que pode usar sua rede social para compreender parte do impacto ”diĂĄrio”, porĂ©m sem reduzir o valor artĂ­stico aquele conteĂșdo online (a menos que seja uma vanity gallery ou uma galeria nĂŁo preocupada com qualidade artĂ­stica, mas lado econĂŽmico Ă  curto prazo, insiram aqui o equivalente disso nas outras mĂ­dias).

Caso sua intenção seja se manter independente, mesmo assim, pessoas que colecionam obras de arte ou levam artistas para eventos, nĂŁo sĂŁo, em geral, cronicamente online. Mesmo jovens empresĂĄrios nĂŁo tem o tempo de um adolescente ou um jovem-adulto, tĂŁo pouco o interesse em reduzir trabalho Ă  insossa experiĂȘncia digital. Fora que, dum ponto de vista franco e analĂ­tico, o consumo de arte (que nĂŁo vai te render uns trocados, mas de fato possibilitar um apoio enquanto labor principal), estĂĄ relacionado Ă  experiĂȘncia fĂ­sica e ao senso de singularidade. Mesmo a Art Pop, que satirizava a aura da arte e da reprodutibilidade com ares de DadaĂ­smo na materialidade nĂŁo-convencional, mantinha suas vendas em galerias ”exclusivas” ou com estratĂ©gias de sĂ©ries finitas, nada acessĂ­veis, Compradores que irĂŁo pagar o valor ”real ” das suas obras, nĂŁo serĂŁo sempre seus amigos prĂłximos e familiares (como quando estamos começando nesse universo). SerĂŁo pessoas que terĂŁo que ver em vocĂȘ, uma figura sĂłlida, mesmo que satĂ­rica, mesmo que ”popular” no sentido de ”agir no pop”, e essa figura nĂŁo Ă© apenas reduzida ao seu crachĂĄ digital, mas Ă  profundidade do seu trabalho. Compradores, contratos, instituiçÔes, que nĂŁo querem seu trabalho pela simples tendĂȘncia temĂĄtica, mas que serĂŁo aliades ao longo da sua vida, e que acompanharam, tanto quanto farĂŁo, ativa parte no seu desenvolvimento artĂ­stico.

Participar de trends que reduzam a autenticidade do seu trabalho pode atĂ© te render poucos dias ou semanas de fama online, mas podem, assim como ultraprocessados, serem absolutamente prejudiciais Ă  sua carreira Ă  longo prazo, nĂŁo porque Ă© um problema rir e fazer dancinhas, ou fazer filmagens caricatas, mas porque isso mostra a ausĂȘncia de independĂȘncia, que Ă© algo contraditĂłrio, ambĂ­guo, mas ao mesmo tempo, muito caro ao mundo da arte que irĂĄ de fato proporcionar um modo de vida. É evidente que nada disso Ă© vĂĄlido se vocĂȘ quer ter uma conta nas redes sociais para ”publicar despretenciosamente” suas criaçÔes, mas tambĂ©m Ă© evidente que vocĂȘ nĂŁo estaria lendo este texto atĂ© aqui se a intenção nĂŁo fosse mais movida pelos efeitos profissionais dessa prĂĄtica para vocĂȘ, para os pĂșblicos e para os reais mediadores, que nĂŁo sĂŁo as redes sociais, mas os eventos que irĂŁo proporcionar espaço de exposição, acolhimento, aprendizado e, sem romantismos ou deslegitimaçÔes da arte enquanto trabalho, um meio nĂŁo tĂŁo estressante, nem tĂŁo instĂĄvel, de dormir num lugar confortĂĄvel, com refeiçÔes garantidas e acessos dignos. Por fim, pense bem no que vocĂȘ quer realmente quando terceriza tanto da sua ”realização” e da ”validação” do seu trabalho pelo ”desempenho” de umas imagens e uns textos nas redes sociais. Um dia, elas vĂŁo ser substituĂ­das por outras, e o tempo e desgaste emocional (assim como profissional) seus estarĂŁo cristalizados em uma rede morta. Caso seu pĂșblico seja um pequeno e engajado nicho que valoriza seu trabalho dentro da sua autenticidade, conserve-o dentro das suas necessidades. Caso nĂŁo, nĂŁo se preocupe. Os e as maiores artistas nĂŁo estĂŁo cronicamente online.

Não é uma profissão fåcil. Porém, infelizmente, também não costuma ser erradicåvel nas atormentadas encarnaçÔes de nós, jovens artistas.




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