Publicando “Sociedade Tecnológica” e o semi-fechamento da série PPOO: as ideias inacabadas | Retrospectiva 2025, 5/8

Publicando “Sociedade Tecnológica” e o semi-fechamento da série PPOO: as ideias inacabadas | Retrospectiva 2025, 5/8

Por Vannie Gama

Talvez pelas outras retrospectivas alguns de vocês pensem, ”ué, mas ele fala tanto de outros anos!”. ”Antigamente” era normal que um artista levasse um ciclo mais longo para finalizar suas obras, ou um autor, ou um cientista, que leva ”tempos” sem atualizações. Não acho que vivamos mais nesse momento. Atualizações são constantes. Então, para alguns de vocês, talvez haja sim esse estranhamento. Porém, nem creio que seja o meio criativo que esteja mais curto em si, mas talvez a forma de comunicá-lo que esteja de fato, mais constante. Os silêncios são menos bem-vindos. Sabem, lembro de pensar que 2024 seria um ano voltado quase que exclusivamente para criar, sem exposições ou coisas do gênero, porém, foi absolutamente o contrário. Ao mesmo tempo, a efusão de eventos culminou em um processo mais longo de alguns projetos, e acredito que a conexão entre os anos, seja, também, de uma certa beleza, pois a cadeia de eventos colabora para o presente, de uma forma mais orgânica do que o ritmo acelerado de qualquer produto ”final”. Falar, no entanto, é mais fácil do que internalizar e fazer. Bendito e maldito tempo, pregando peças e nunca deixando uma auréola no chão, sem, na verdade, tratar-se de uma corrente.


Contei em uma outra retrospectiva que a série de 2023, ”Prólogos Para Observações Orgânicas”, foi uma série visual, sem representações diretas da forma humana, extremamente focada na meditação sobre as naturezas como a cartografia e a topografia, as mudanças não-vivas como geleiras e restos das naturezas (galhos, cascas de insetos e pinhas velhas), além de em animais representados, ciclos de florestas, de praias e pairadas medusas em ”Mutualismos Eternos”. Pois bem. A ideia da prólogos nasceu da ideia de um livro teórico de mesmo nome, depois da série ”100 espécies da fauna brasileira”, de 2020, quando eu tinha então, 23 anos. A questão no entanto é que eu não quis escrever esse livro diretamente, pois me sentia imaturo, então escrevi ‘‘O Cultivar das Imagens”, um livro com formato de ensaio e diário da pandemia, com obras coletivas e discussões sociais bem menos teóricas do que os tópicos originais que gostaria de tratar em ”Prólogos” – foi lançado durante o FLIMA de 2022. Porém, também não fiz a série logo após ter a ideia. Outras séries foram desenvolvidas como Space-Being e Posthumans have always existed, sem contar da obra ”59 minutos Inúteis” com a violoncelista e performancer Luca D’Alessandro e Pedro Bortolin. Em 2021 passamos o ano trabalhando com a Syntropy States, assim como parte de 2022 – eram obras sound-image, e não pinturas.

A pandemia de 2029, vale deixar o registro, não foi apenas catastrófica em termos das cicatrizes deixadas na saúde pública e na diplomacia mundial. No Brasil, ela foi uma pandemia descredibilizada, constantemente divulgada e coberta como algo passageiro, de forma que o baque econômico tentava ser contido às custas da esperança pública de uma fase rápida de contenção. Isso teve um custo psicológico imenso. Vivíamos mensalmente, semanalmente, num estado de euforia pelas notícias que garantiam que o fim daquela situação estava próximo. Não houveram previsões de que passaríamos dois anos daquela fora e um ano realmente em quarentena. O sistema político-econômico vigente fez de tudo para nos fazer acreditar que seria breve. Imagine, viver semanalmente e mensalmente, com a ”esperança midiática” – obviamente feita para dar tempo da porção econômica se proteger e ”postergar” medidas de real mudança nos nossos calendários e rotinas enquanto sociedade brasileira – de um dia melhor, enquanto cientistas se esforçavam para transmitir as reais informações: que talvez durasse dois ou três meses, depois, seis ou oito meses.

Foi uma fase complexa, pois não podíamos fazer planos reais. Eram sempre sabotados pela realidade que poderíamos ter nos preparado se não fosse a priorização de meios de produção e comércio. Foram gerações inteiras afetadas na idade da alfabetização, jovens que finalizaram o ensino-médio sem um real último ano de estudo, tão pouco uma transição efetiva para a vida adulta. Nós do setor culturais sofremos muito, e a maior parte dessas atividades foram fechadas. Algumas migraram para o digital, mas a maior parte de nós atrasou aluguéis, apertou os cintos de todas as formas. Nada disso se compara, no entanto, às milhares de pessoas que perderam suas vidas por negligência de gestão de crise sanitária. Além da negligência que culminou em milhares de vidas perdidas por falta de vacinas, propagação de métodos não comprovados cientificamente como a Cloroquina, negação e resistência de medidas de quarentena e desinformação sobre o uso de máscaras, o pior, acredito, foi ver essas vidas seram piadas na boca do ex-presidente Bolsonaro naquele ano: piadas com pessoas com falta de ar, descasos abertos em entrevistas com a gravidade da situação. Pura desumanidade. Pelas vidas perdidas entre 2020-2022, minha eterna empatia para com as famílias que passaram pelos resultados de irresponsabilidade de poder político.

Digo isso da pandemia porque, a pandemia não só criou o primeiro livro, ”O Cultivar das Imagens”, mas remodelou todo o meu projeto de vida. Durante esses dois anos de pandemia, o que me lembro, além das dificuldades, foi do fortalecimento da comunidade artística. Nós nos uníamos para suportar e para trazer reflexão, cultura, informação e acolhimento à população, cada um como podia. Bom, ao invés de imigrar para a França ”apenas pela arte”, ficar no Brasil por aqueles dois anos (me formei em Janeiro de 2020), me fez não só não poder contar com isso, pois os recursos e as oportunidades secaram, como me fizeram ter que olhar para o que poderia ser feito em solo brasileiro. De certo modo, essa obrigatoriedade me fez considerar o mundo acadêmico. Decidi fazer um mestrado, mas antes disso, cheguei a fazer um semestre de química, que assim como física e filosofia, era uma faculdade que fiquei em dúvida de fazer quando fui para as artes visuais. Fui negado no programa da USP, mas passei na vanguardista FCA da Unicamp. Entrei para o ICHSA – Interdisciplinar em Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, com um projeto muito mais prático do que teórico, o Almarte, nome inspirado numa obra de arte de uma das minhas professoras da faculdade. Me mudei para Limeira, no interior de São Paulo. No segundo mês morando lá, adotei Carina.

A formação no ICHSA da Faculdade de CIências Aplicadas da UNICAMP foi essencial na minha trajetória de vida, ainda que com alguns clássicos escorregões da minha parte, como nunca ter terminado o mural ”Bússola Sul” – embora tenha que dizer que não recebi para isso, e trabalhar de graça para quem não é herdeiro, é um tanto inviável, pois os gastos em se fazer um mural são altos e apenas uma compra, uma vez, de materiais, não é o suficiente para as centenas de horas de trabalho que gastamos nessas obras. Meu orientador foi o professor doutor Rafael de Brito Dias, e foi uma pessoa que me apresentou uma bibliografia em estudos da tecnologia que seriam basais para muito do que escrevi na faculdade e depois. Ele foi um orientador que ao mesmo tempo que me deu espaço para trabalhar, me apoiando nas minhas aventuras científicas, também soube consertar meus maus cursos, minhas decisões inconsistentes e não-lapidadas.

O programa também de fato oferecia um suporte para o que é o pensamento interdisciplinar, e assim como quando me assumi uma pessoa trans do ponto de vista legal, algo que mudou minha forma de existir, entender a interdisciplinaridade também foi esse nomear, oficialmente, uma forma específica de trabalhar no campo teórico. Tanto que desde então, é comum que nas minhas biografias venha escrito ”artista interdisciplinar”. Foi uma extensão para além da pesquisa interdisciplinar. Ademais, o ICHSA é um programa de pensamento crítico, e mesmo que em termos de docentes, não necessariamente tenhamos pensamentos de apoio para todas as revoluções das humanidades, certamente temos uma maior parte que trabalha com decolonialidade, teorias feministas e queers, de pesquisa aplicada e conjunta à assentamentos, geografia humanista, políticas públicas que repensam o ensino superior, para citar algumas linhas de ação – não só de pensamento. É um programa humanista.

Me formei então como um cientista social.. humanista, com o fazer das artes atrelado à pesquisa. Conheci pesquisadores e pessoas que levarei para a vida, que admiro e que acompanho as pesquisas e ativismos, como o trabalho de docentes em 2024 como Eduardo José Marandola Junior, Rodrigo Ribeiro de Sousa, Lais Silveira Fraga, Lux Ferreira Lima, Oswaldo Gonçalves Junior, Milena Pavan Serafim, Rodrigo Alberto Toledo, Peter Alexander Bleinroth Schulz, Juliana Pires de Arruda Leite e Carolina Cantarino Rodrigues. Sem contar, formandos da minha turma, como Tiago Rodrigues, Mayara Sabineli, Yumi Wada e Marta Zapata.

Minha pesquisa se transformou e quando vi, estava trabalhando com as temáticas do contexto do livro entendido para a Prólogos, e ao mesmo tempo, continuava o atelier, e assim nasceu ao mesmo tempo a série ”Prólogos para Observações Orgânicas” de 2023 – A qual sou extremamente grato por outros artistas que me ajudaram a montar a exibição em Santo Antônio dos Pinhais – SP (a musicista, arte comunicadora e arte educado Enya Yoshii e o fotógrafo e film artmaker Henrique Nakandakare). Também publiquei quatro artigos e um capítulo de livro nessa época. Capítulo de livro e capa de ”Conectando Saberes: Gênero, Tecnologia e Informação na Era Digital” organizado por Rubens Ferreira, e publicado pela Universidade Federal do Pará em 2024. Rubens, inclusive, um grande pesquisador e pessoa maravilhosa. Nós nos conhecemos durante um desses eventos e conferências acadêmicas da UERJ – Universidade Estadual do Rio de Janeiro. No mestrado, fui bastante envolvido com o projeto, com participar de eventos e fazer boas amizades, na época. Porém, não foi fácil escrever a dissertação. A vida não é só criação, e passei por momentos muito difíceis, como um relacionamento razão de muita terapia, e principalmente, a perda da minha avó, dona Eliane.

Quando defendi a dissertação, em 12 de Junho de 2024, me foi dito para publicar um livro daquela obra, numa linguagem mais acessível. Porém, a única linguagem acessível que consigo dizer é ao vivo, em workshops, mesas redondas e, mais recentemente, pela ficção. Não tenho a capacidade mal de revisar meus escritos – mas tudo bem! Nada a temer! Sei que os escritos de Edmund Husserl e Schopenhauer também não eram bonitos na ”juventude” – quanto mais de torná-los digeríveis. Já é tão difícil tirá-los da mente e transformá-los em algo material. Quando entreguei 300 páginas de dissertação, meu orientador e a banca não ficaram muito felizes! Bom. O fato é que depois de um ano, eu consegui revisar um pouco do trabalho original, e fiz algumas importantes alterações, como a reposição do ”Manifesto Orgânico”, coração da dissertação, para o começo da obra e não no final, acarretando em uma mudança de introdução.

De resto, decidi deixar a primeira edição similar ao integral do repositório acadêmico da universidade. Inclusive, escrevendo essa retrospectiva, foi que descobri que a dissertação foi destaque do programa. Enfim, em todo caso, foi em 2025 que a publiquei como livro pela editora Dialética. Embora cheio de insuficiências, publicar a dissertação ”Sociedade Tecnológica: Natureza, Modernidade e os Anos de 2020”, foi um enorme marco em 2025 e nos últimos três anos. Nele, há o Manifesto Orgânico, algo que se dependesse de mim, seria a primeira coisa que qualquer pessoa conheceria sobre o meu trabalho – não por ser bom ou qualquer coisa do gênero, mas por representar, genuinamente, o espírito de ”tudo” que fiz e faço em texto e em tinta, de uma forma crua, ou, não tão institucionalizada. Esse manifesto nasceu como sugestão da banca do mestrado, ”como uma tentativa de canalizar o forte espírito militante da dissertação” que estava atrapalhando-a – não resolveu esse problema, mas, pelo menos fez nascer um manifesto franco. Que programa que te motiva a fazer tal feito?


Acima então vocês podem ter acesso a um fragmento, em português, idioma original da dissertação disponível em E-book e versão física. É possível ler a versão integral, sem diagramação de livro e sem a última revisão no repositório da Unicamp: Terminal RI – Sophia Biblioteca Web . Naturalmente que, existe um fechamento parcial, eclipsado, afinal, ainda não terminei o livro que motivou todas as criações mencionadas nesses três anos, e, no fundo, ainda estou devendo uma publicação, do Pop Queer, para de fato fechar o mestrado. E mesmo asism, sinto que sempre me sentirei em dívida, por jamais ter terminado o mural Bussola Sul. Quem sabe um dia, quando dinheiro não for um problema e eu puder passar um mês fazendo 100 retratos em 9 metros de parede, não é mesmo?

Você pode adquirir a versão livro do Sociedade Tecnológica por diversas plataformas, e sim, recebo por essas vendas. Diferente das obras de arte, essas, ainda tenho controle sobre direitos autorais além dos volumes individuais: Sociedade Tecnológica: Natureza, Modernidade e os Anos de 2020 – Irrigações através da diversa arte visual contemporânea brasileira – Livros Acadêmicos com até 10% OFF (Brasil) e SOCIEDADE TECNOLÓGICA | Casa del Libro (E-book, moedas internacionais). Não fiz lançamento para ele, e dos dois livros do ano, então, junto com ”Leão o Unicórnio”, estou pensando se participo ou não de algum evento para lançá-los junto com obras em papel como foi com ”O Cultivar das Imagens”, Para tal, estou considerando ou fazer traduções dessas obras nos próximos eventos canadenses, ou, ir mesmo para o Brasil para a FLIP – de Paraty, ou para a Bienal do Livro de São Paulo de 2026. Isso depende completamente de vocês, leitoras e leitores. E sim, com o fechamento desse ciclo de 2025 (talvez apenas esperando um aceite para o artigo Pop Queer), consigo enfim trabalhar no livro que realmente gerou todas essas obras, porém, provavelmente, apenas para 2027, sete anos depois da primeira idealização da coisa.

Foi um ano textual, não?

Até breve!

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